NOTICIAS: REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL E A PRESUNÇÃO DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DAS SOCIEDADES!!!

- A jurisprudência pátria, há muito tempo, sedimentou que a responsabilidade pessoal do sócio, no âmbito da execução fiscal, exige a comprovação de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos da empresa (artigo 135, III, do CTN). 
Entretanto, casos recentes demonstram a aplicação automática da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, que presume dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente. E isso em situações de empresas que continuam exercendo, normalmente, suas atividades econômicas.
Esse automatismo pode implicar grave violação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Defende-se, aqui, que a mera mudança de endereço – mesmo consistindo em vício formal da empresa que atrasa a informar ao fisco – não é dissolução irregular automaticamente.
Como exemplo, temos um caso recente: em uma execução fiscal movida pela Fazenda Nacional, foi deferido o redirecionamento da execução ao sócio-gerente com base em certidão de oficial de Justiça que atestava a inexistência da empresa no seu domicílio fiscal. A partir dessa constatação, aplicou-se automaticamente a presunção de dissolução irregular.
Contudo, essa presunção é relativa (juris tantum), podendo ser afastada por prova em contrário. No caso, a empresa não havia encerrado suas atividades: apenas realizou mudança de endereço, somente depois comunicada à Receita Federal, embora não atualizada em tempo hábil em todos os cadastros. E a própria empresa continuou cumprindo os seus deveres instrumentais perante a mesma Fazenda Pública, com recolhimentos de tributos federais, o que se apresenta incoerente com a tese da execução e seu redirecionamento automático.
Sabe-se que o redirecionamento automático da execução fere a lógica do artigo 135, III, do CTN, que exige, para a responsabilização do sócio, prova de atos de gestão caracterizados por excesso de poderes ou infração à lei. O inadimplemento tributário, isoladamente, não enseja tal responsabilidade, conforme a Súmula 430 do STJ. O simples fato de a empresa não ter sido localizada em endereço desatualizado não caracteriza dissolução irregular, nem tampouco implica automaticamente responsabilidade do sócio. A falta de atualização cadastral pode configurar uma falha administrativa, mas não um ilícito tributário que justifique a quebra da autonomia patrimonial.
É imprescindível que o Fisco comprove a existência de ato ilícito, com desvio de finalidade ou confusão patrimonial, requisitos indispensáveis para afastar a proteção conferida pela personalidade jurídica. O próprio Fisco, em suas atividades de fiscalização, adota a Teoria da Substância sobre a Forma, conforme amplamente aplicado em casos de desconsideração de negócios jurídicos simulados, a exemplo da “pejotização” e requalificação de contratos.
Encerramento não configura, por si só, dissolução irregular
Segundo orientação consolidada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf): “A autoridade administrativa fiscal possui a prerrogativa de reclassificar atos ou negócios jurídicos, a fim de aplicar a lei sobre os fatos geradores efetivamente ocorridos, sendo tal poder da própria essência da atividade de fiscalização tributária, que deve buscar a realidade fática, com prevalência da substância sobre a forma” (Carf, Acórdão 2202-010.385, rel. Gleison Pimenta Sousa, julgado em 4/10/2023).
Ora, se na fiscalização a Fazenda adota essa premissa de prevalência da substância sobre a forma, não pode, no polo ativo da execução, aplicar raciocínio diverso e inflexível, que privilegia um elemento meramente formal (endereço cadastral desatualizado) em detrimento da realidade fática (empresa ativa e operante). E isso porque a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios é pilar fundamental do Direito Empresarial. Sua desconsideração é medida excepcional, somente admitida quando comprovado o abuso da personalidade jurídica, fraude ou desvio de finalidade. Logo, a responsabilização pessoal do sócio não pode decorrer de presunção não corroborada por provas. A ausência de dolo, excesso de poderes ou infração à lei deve afastar, de plano, a legitimidade passiva do sócio no âmbito da execução fiscal.
Como bem resume recente decisão do TRF-4: “A paralisação ou encerramento das atividades de uma unidade ou estabelecimento não configura, por si só, dissolução irregular da pessoa jurídica, considerando que matriz e filiais representam instrumentos para o exercício da atividade empresarial” (TRF-4, AG 5025550-88.2022.4.04.0000, rel. Vivian Josete Pantaleão Caminha, j. 20/6/2024).
O Estado, ao exercer sua função arrecadatória, não pode subverter garantias constitucionais básicas do contribuinte. A presunção de dissolução irregular deve ceder diante de provas que demonstrem a continuidade das atividades empresariais. Defendemos, portanto, uma interpretação coerente e constitucional do redirecionamento da execução fiscal, pautada na efetiva demonstração de dissolução irregular e de conduta ilícita do sócio, sob pena de se consagrar um instrumento de violência legal, como já alertava Klaus Tipke: “O sistema tributário não pode ser um instrumento de violência legalizada, mas deve servir à justiça distributiva e à preservação da confiança dos cidadãos no Estado de Direito”. POR ANDRÉ ELALI / FONTE: CONSULTOR JURÍDICO.